H.E.L.P.

Chegaram a cogitar que minha alcunha fosse uma homenagem aos meus dois avôs. Felizmente, meu pai percebeu que, além de “Humberto Eduardo” soar como protagonista de novela mexicana, o acrônimo do meu nome completo – Humberto Eduardo Lubisco Portella – seria HELP. Acabei sendo batizado só em tributo ao pai de meu pai, o já falecido Vovô Eduardo.

Meu Vô Humberto era um homem forte e muito elegante. Oftalmologista, operou até os 65 anos e nunca parou de clinicar. Morreu em Porto Alegre, onde nascera e vivera toda a sua vida, aos 76 anos, em 1º de janeiro de 1989. Eu tinha apenas 14 anos e sofri. Sofri por ver minha mãe chorar e por não ter convivido o suficiente com aquele homem de poucas palavras, mas de muito afeto. Divertia-se com a ingenuidade infantil dos netos. Lembro que quando Nana, minha irmã mais velha, estava sendo alfabetizada, ele implicava com o nome da Professora dela: Pró Glades (pronuncia-se “Gleides”).

Meu Vô – Qual o nome de sua professora mesmo?
Nana (debruçada sobre o dever de casa) – “Gleides”.
Meu Vô – Não, é Glades.
Nana (já irritada) - Não é nada. É “Glei-des”!
Meu Vô (quase zen budista) - Nada disso. Está escrito aqui, ó: Gla-des!
Nana (aos berros) – “Glei-des”, meu Vô! “Glei-des”!
Meu Vô (em estado de pré-levitação) – Gla-des, minha neta. Gla-des!

Certa feita, estávamos indo a Villas do Atlântico no Fusca cinza de D. Nídia Lubisco, placa AZ-5877. Minha mãe dirigia, Minha Vó ia ao lado dela e, no banco de trás, eu, Nana, Kika – a caçula – e ele, Dr. Humberto, nos espremíamos. Eu, que estava bem atrás da motorista, tive que sentar meio de banda, com um pedaço da bunda apoiado na lateral do carro. Depois de alguns poucos minutos de estrada, reclamei:

Eu – Pô, mãe! Tô sentado com a bunda pra cima!
Meu Vô (com sotaque de gaúcho) – Então estás de cabeça para baixo, Guri.

E gargalhou alto. Essa foi, com certeza, a única vez que o vi gargalhar sem se conter...

Não recordo direito se foi no mesmo dia que, ao ouvir alguém chamar um senhor de velho, retrucou baixinho para si próprio: “velho é o mundo”. Confesso que na época, provavelmente em função da pouca idade, não tinha alcançado a profundidade de tão sábias palavras. Para mim, minha mãe era velha, meu pai era velho, o jardineiro da casa era velho, Olga, a babá de Kika, também era velha. Como assim, velho é o mundo?! Como assim?! Porém nada melhor que o tempo para dar significado ao que aparenta ser, em algum momento da vida, nonsense.

Eu já estava praticando boxe há aproximadamente quatro meses, já tinha perdido alguns quilos, recuperado um pouco do fôlego perdido para o cigarro e, aos 34 anos, me sentia um atleta! Numa quarta-feira, substituí um colega no trabalho e acabei não chegando ao treinamento a tempo. Corri para casa, vesti a bermuda, a velha camiseta com mangas cortadas, calcei meu All Star preto de cano alto, peguei minha corda, o som portátil de Kika e desci de escada para o playground saltando os degraus de dois em dois, só para aquecer. Chegando lá embaixo, coloquei o álbum Mutter, da banda alemã Rammstein, para tocar no máximo e, me sentido Rocky Balboa, comecei a pular corda. Não sou exatamente um especialista, mas, literalmente, dou meus pulos.

Já estava na função há pelo menos vinte minutos quando apareceu um garoto na faixa etária de uns 13 anos. Pouco depois, chegou seu comparsa aparentando a mesma idade e trazendo uma bola de futebol. Imagino que eu estava tomando o lugar designado por eles para jogar um golzinho, apesar do regimento interno do condomínio proibir terminantemente qualquer jogo com bola nas áreas comuns.

Ficaram ali, quietos, quase hipnotizados me observando saltitar freneticamente ao som de “Nun liebe Kinder gebt fein Acht / ich bin die Stimme aus dem Kissen / ich singe bis der Tag erwacht / ein heller Schein am Firmament / Mein Herz brennt” , que podia ser ouvido num raio de 15km. E eu, vendo aquela cena de canto de olho, me envaideci. “Devem estar impressionados com a minha velocidade. Tô abafando!”, pensei.

Sabe quando você está numa boate com o som ensurdecedor, berrando no ouvido do seu bróder algo sobre a gostosa de minissaia e camiseta transparente dançando bem à sua frente, daí a música pára de vez e todo mundo ouve o seu “GOSTOOOOOOSA AÍ DA FRENTE!”? Sabe? Pois foi o que aconteceu

Assim que Till Lidemann, vocalista do Rammstein, abruptamente parou de vociferar nos alto-falantes do portátil de minha irmã caçula, ouvi os garotos arremessarem o seguinte petardo sem piedade alguma, bem direto na caixa do peito:

Moleque-Que-Merece-Uma-Surra-de-Cansanção-1 – “Porra! Ó pro coroa! Botando pra fudê!”
Moleque-Que-Merece-Uma-Surra-de-Cansanção-2 – “O coroa tá em cima! Arregaçando!”.

Como era sábio Meu Vô Humberto.
Este texto foi revisado por Paula Berbert

9 Response to "H.E.L.P."

  1. Anônimo Says:

    Arregaaaaaça coroooa!! =]
    [glenda rodrigues]

  2. Cris O Says:

    Este comentário foi removido pelo autor.
  3. Cris O Says:

    hahahahahahahaha
    Adorei a alcunha dos marginais "Moleque-Que-Merece-Uma-Surra-de-Cansanção-1 e 2". Hoje dei uma pedalada bizarra: 10 minutos de bicicleta até o trabalho pra chegar quase enfartando e os meus alunos (todos cinquentoes) perguntarem quantas HORAS eu tinha pedalado. Quando eu falei 10 minutos, precisamos de traducao em 3 línguas para a galera acreditar...Velhice é foda!!!

  4. Alexandre Beanes Says:

    ontem foi dia de voltar a academia, depois de quase 40 dias sem musculação e uma gripe que tenta me pegar, estou quebrado, fudido e mal pago...mas isso nem é pior que ter que ouvir de alguém parecido com a gostosa descrita no texto, ao meu lado no elevador, dizer: "tio aperta o sexto, por favor!"...velho é o mundo, moleca!!

  5. Anônimo Says:

    "panela veia é que faz comida boa".

    muito bom

    rindo horrores

    Many

  6. Unknown Says:

    rsrsrs rindo mto, mto legal seu texto, me fez lembrar de uma situação semelhante comigo, entrando nos 30, na fila do cinema, saio pra comprar pipoca e pedi pra turminha de +ou- 16 anos q tava atrás de mim pra "guardar" o lugar, quando retornei, dei uns bombons a eles, e ai todos em um coral: Valeu TIA!!!!
    Tomei os bombons de volta, foi punk, foi a primeira vez q me chamaram assim, hj aos 34 já não ligou tanto, pois já sei q velho eh o mundo...
    simonelima706@hotmail.com

  7. Anônimo Says:

    só um abestalhado para pular corda de all star! os moleques deveriam ter comentado: "o coroa é tão retardado... vai acabar de esculhambar a coluna"

  8. Anônimo Says:

    O coroa fazendo fãs!
    Essa eu vou contar para meu pai...

  9. lugutmann Says:

    Vc escreve "tô ABAFANDO" e não quer ser considerado coroa?? COMO ASSIM???