KURT COBAIN x JIMI HENDRIX

Tudo aconteceu muito rápido. Era início da década de 90 do século passado, Seattle apresentava uma alternativa para quem já não agüentava mais aquele rock xurumela do Aerosmith. Alice in Chains e Soundgarden eram minhas bandas favoritas, apesar de ter sido o Nirvana que abriu as portas do grunge para mim.

Ainda lembro quando, em 1991, Irmão Carlos (hoje vocalista da banda Irmão Carlos e o Catado) apareceu em nossa sala, na extinta Escola Teresa de Lisieux, com um LP que estampava na capa a foto de um bebê submerso como se seguisse uma nota de 1 dólar estadunidense presa a um anzol. Ele estendeu o braço empunhando o vinil e, sério como poucas vezes o vi, disse: “você tem que ouvir essa porra! Logo!”

Em pouco tempo, já estava andando com camisa quadriculada de flanela amarrada na cintura, tênis surrado e patches das bandas prediletas costurados no jeans. O cabelo, obviamente, fugia de tesouras ou qualquer objeto cortante que ameaçasse seu casamento com a lei da gravidade.

Eu faria 17 anos em junho daquele mesmo ano e, por não ter tido nenhum contato com rock’n’roll em casa, corria desesperadamente em busca de novas referências musicais, pois já me achava um velho. Talvez por causa dessa sede insaciável, cometi um grave erro que mudou o meu comportamento por anos a fio. Confesso que ainda trago alguns resquícios daqueles dias. Hoje, entretanto, manifestados de maneira bem mais sutil.

Numa semana qualquer de 1991, assisti na casa de Duda – minha namoradinha – ao filme The Doors, com Val Kilmer interpretado Jim Morrison. O queixo caiu! Logo depois, ainda na companhia da minha, então, amada, com uns três dias de intervalo, assisti a uma cópia VHS, feita de fita para fita, do documentário sobre Woodstock. Pirei o cabeção.

Se por um lado conheci Jimi Hendrix, Janis Joplin, The Who, Ritchie Heavens, e Joe Cocker, por outro, o vestuário grunge perdeu espaço para calças de Bali – tão coloridas que poderiam ser usadas por um palhaço em dia de circo –, braceletes, gargantilhas, anéis de prata, sandálias de couro compradas na Barroquinha, ou de pneu compradas em Lençóis, batas, bolsa feita em tear, no estilo carteiro, e, o pior de tudo, o símbolo do PAZ E AMOR tatuado no ombro direito. Sem contar o fato de ter cursado 5 dos 9 semestres de Musicoterapia, além de fumar o cigarrinho do capeta para expandir a mente e alcançar outro nível de percepção da realidade tolhida pelas convenções sociais retrógradas, opressoras e hipócritas. Eu estava pronto para fazer a revolução e, com certeza, não estava sozinho.

Hoje, continuo ouvindo rock, ainda acredito em princípios de liberdade e igualdade – apesar de entender que as vias podem ser outras –, mas me visto basicamente com calça jeans e camiseta, não expando a mente há pelo menos 5 anos e o PAZ E AMOR do ombro foi coberto por outra tatuagem, como 99,9% dos meus amigos que se tatuaram na adolescência fizeram, os meus cabelos estão curtos e... caindo.

O processo de cortar o cabelo não foi tão simples. Na verdade, eu tinha um apego quase doentio às minhas madeixas. Por um bom tempo, achei que a minha beleza se resumia aos meus sedosos e longos fios castanhos. Tinha certeza absoluta de que, se eu os cortasse, ninguém se interessaria por mim. Parecia loucura e, de fato, era.

Com o passar dos anos, percebi que não precisava agradar a todos nem, tampouco, que os meus atributos físicos seriam responsáveis por atrair pessoas para perto de mim. Foi um alívio entender o quanto boas idéias podem ser mais eficientes do que um abdômen de tanquinho ou um bíceps proeminente.

Claro que adoraria ter um físico de Apolo, porém agora já sei que se eu malhar muito e, talvez, com ajuda de uma lipoaspiração consiga entrar no padrão Globo de novos “talentos”. Boas idéias, entretanto, não se conseguem em academias.

Ainda lá, na minha recém pós-adolescência, resolvi treinar Jiu-Jitsu. Não tinha a menor pretensão de virar um troglodita de orelha inchada que vive procurando brigas em boates e festas. Treinava para mim. Tanto que, mesmo com a pressão do Sensei, Charles Greice, jamais participei de campeonatos. Só queria ter mais noção corporal, fazer uma atividade física e, em caso de emergência – coisa que nunca aconteceu –, me defender.

O cabelo abaixo do ombro, quase na altura do peito, atrapalhava. Fiz trança, rabo-de-cavalo, coque e até usei toca de natação para treinar, mas nada dava jeito. A cada treino, chumaços eram impiedosamente arrancados durante os combates. Na época, eu lutava de segunda a sexta, durante três horas por dia. Pelos meus cálculos, em menos de um ano eu estaria completamente careca somente em função dos treinos, já que a calvície, típica da família Lubisco, ainda não se manifestara.

Pois bem, foi durante uma visita à minha família em Porto Alegre que tomei coragem e, sem avisar a ninguém, com o auxilio de meu primo Daniel, irmão de Xande, passei a máquina 4 na cabeça. Foi um corte, sem metáfora alguma, radical. De longos fios que passavam dos ombros para quase careca. Ainda recordo meu choque diante do espelho. Só não chorei desesperado porque Dani, provavelmente, percebendo o meu semblante de horror, disse:

– Bah, Negão! Tá tri a-fu! (em Porto, tudo é abreviado. Fim de semana é finde; churrasco é churras; chimarrão é chimas e “a fuder” é a-fu.)
– Vo-vo-você a-a-acha?
– Tu vai ver, Negão. Sucesso garantido. Deixou de parecer pelotense e tá com cara de macho da fronteira.

Ainda não muito convencido, fui me submeter ao primeiro teste: minha vó Ilka, mãe de minha mãe, viúva de meu vô Humberto. Ela morava, e ainda mora, num pequeno e confortável apartamento na Anita, perto da Praça da Encol, a uns 100 metros da casa de Tia Hedy, mãe do auxiliar de cabeleireiro e motivador.

A sensação da brisa no couro cabeludo foi a minha diversão durante o trajeto. Ao chegar, pedi para o porteiro interfonar me anunciando, peguei o elevador e, até chegar ao 9º andar, não consegui desgrudar os olhos do espelho, encarando aquele estranho.

Toquei a campainha e ouvi a voz rouca de minha vó dizendo que já vinha. Ouvi também Êda, a fiel escudeira, perguntado se não era melhor que ela, Êda, abrisse a porta, pois Dona Ilka, com a dificuldade de locomoção devido ao sobrepeso e aos dois joelhos operados, demoraria muito para se levantar do sofá e alcançar a porta. Minha Véa Vó, com a chamo carinhosamente, meio impaciente, insistiu:

– É o meu neto, eu abro. Ele não vai se importar de esperar.
Estava certíssima. Esperaria séculos para vê-la, se preciso fosse. Minha vozinha, querida.
Alguns poucos minutos se passaram até eu ouvir a chave girando na fechadura e, vagarosamente, a porta de abrir:

– Tcharam! Gostou?
– Ai, meu Deus do céu! Você está tão... tão... tão limpo!
– ...

Como assim “tão limpo”, minha Vó?! Como assim?!



Texto revisado por Paula Berbert

7 Response to "KURT COBAIN x JIMI HENDRIX"

  1. Alexandre Beanes Says:

    1. Nunca achei grunge grande coisa. In Utero, do Nirvana, talvez seja o que disco que mais gosto. A expressão "estranho" serve para os dois: o disco e o fato de eu gostar dele.
    2. Irmão Carlos inventou o "LOGO!", Roberta perde a patente.
    3. Cabelo grande era massa, curti o meu por longos 13 anos, mas a liberdade do cabelo curto é muito melhor. Talvez eu só esteja ficando velho.
    4. A sua cara de pelotense não deve ter mudado muito.
    5. Hoje gosto muito de Pearl Jam.
    6. O texto ficou mais direto, sem tanto rodeios, e eu que sempre elogiei os milhares de links, gostei bastante dele assim. Parabéns, meu caro amigo.










    P.S.: você tem cara de pelotense, mas é meu amigo...hahahahaha

  2. Paula Says:

    Eu consigo visualizar tudo (mérito de sua escrita deliciosa). Rio de você como rio de mim - são tão engraçadas essas convicções adolescentes!
    Suas madeixas eram lindas, mas nada se compara, como tanto digo, ao Lubisco de 34 anos.

    E sim: importante a colocação de Buja - Roberta perde a patente do "LOGO!". E será que ela viu você chamar o Aerosmith de xurumela?

  3. Unknown Says:

    Rabisco, seu contato com o grunge é mais uma coisa comum a nós, só que de um tempo em que não nos conhecíamos. Também prefiro Alice in Chains e (do pouco que conheço) Soundgarden. O Nirvana tem uma coisa ou outra marcante, e só. Os shows das duas bandas no Hollywood Rock (1993, acho) também me marcaram uma grande diferença: um deprimido e drogado Kurt Cobain fazendo m... no palco -- nunca o vi cuspir e se masturbar no palco fora do "3º mundo" -- , e um também deprimido e drogado Layne Staley, junto aos ótimos músicos da banda (AIC), tendo o profissionalismo de oferecer um excelente show ao público que pagou ingresso.

    Não sabia que estava perdendo cabelo. Só por incentivo: acho que é herança de família materna (Lubisco) mesmo. Meu pai era careca, mas meu avô materno e meus sete tios, todos cabeludos, me fizeram pular a fogueira. Mas, quanto a você... Se jogue, véi!

  4. Cris O Says:

    Oi amigo!
    Seu texto me dixou cheia de saudade da época do finado Tereza... adorei! E entendo o comentário de vó Ilka perfeitamente: O visual grunge é uma das coisas mais sebosas do universo. Melhor nem comecar a falar da sua fase mô bara entao hehehe. Beijos

    P.S. Seu cabelo era lindo mesmo. Sendo dona de um cabelo tipo assaltante (ou está armado ou está preso) sempre o invejei e achava uma injustica do universo que um CARA tivesse um cabelo lindo daquele. Se vc tivesse posto a venda eu teria comprado e seria a primeira mulé de Salvador a ter Megahair de cabelo natural.

  5. Anônimo Says:

    Fosse vc Sansão isso seria um problema... Ainda bem que não é. Bom que vc percebeu que as qualidades vao alem dos atributos físicos. Queria ter essa veia cômica, mas parece que a unica que tenho é mordida pela verve da lascívia.

    muito bom... muito bem escrito.

  6. Multiethnic Says:

    Perfeito. Acho que isso basta.

  7. Anônimo Says:

    Grande Negão!!!
    Não é todo mundo que consegue colocar em palavras tantos momentos e fazer o leitor vivenciar a história, ainda mais eu que fiz parte dela. Muito bom, gostei muito!
    Mas o cabelo não era tudo isso, fica muito melhor curto, bem curto. Posso falar porque já fui cabeludo e hoje não tenho muita escolha, porque a calvíce Lubisquiana já me afetou.
    beijos e parabéns. Voltarei!