RUA GUILLARD MUNIZ

Minha vó Diva foi vó com “V” maiusculoso. Nos levava à pracinha e passávamos a tarde brincando na areia. Lembro dela com os nossos pares de sapatinhos pendurados nos dedos quando andávamos de volta para a casa dela, na Rua Guillard Muniz, Edifício Cerejeira, apartamento 101. Hoje, ela mora com o filho em função da fragilidade de sua saúde.

De volta ao apartamento, tomávamos banho e íamos direto para o quarto da TV, enquanto minha vó preparava nossa janta. Cada um tinha seu próprio pratinho. Eram todos de sopa, para evitar catástrofes no sofá, já que jantávamos lá, acomodadinhos, assistindo, provavelmente, à novela das seis. O meu, recordo, tinha uns detalhes em cor de abóbora e amarelo que talvez, caso minha memória não esteja tão ruim quanto a situação do Galícia, fossem florezinhas.

Todo mundo sabe que comida de vó é a melhor do mundo. A da minha era a melhor do universo universal. Quando tive hepatite e sofria com as inúmeras restrições alimentares, somente ela dava um jeito de, mesmo sem utilizar uma gota de gordura, tornar a comida saborosa. Fazia bolos “de comer rezando” e, para a nossa diversão, nos deixava lamber a tigela da batedeira, pegar as sobras da massa de pastel caseiro e brincar com a máquina de fazer macarrão. Sim, ela tinha uma máquina de fazer macarrão!

Ainda não sei se a viúva de vovô Eduardo era mágica ou alquimista. Corajosa, com certeza, era. Após o falecimento do meu avô – que não chegou a conhecer nenhum dos netos –, mesmo contra os bons costumes e as expectativas em relação a uma senhora viúva, contraiu segundas núpcias... e com um homem mais novo. Como assim, com um homem mais novo?! – devem ter pensado as mais recatadas.

Hoje, percebo que D. Diva, além de fazer doces, costurar, pintar, cuidar dos netos e ser corajosa, tinha uma paciência de Jó. Não devia ser nada fácil administrar três diabos da Tasmânia brigando. E, além do mais, toda vez que pedíamos, repetia a mesma história nonsense como se fosse inédita.

Nana: Vó, conta aquela história?!
Eu: É, é, conta!
Kika (com pouco mais de um ano): anskznchbdhaoenshabnxckabdjfidba.
Diva: Era uma vez três: um polaco e um francês. O polaco puxou a espada e o francês se arrepiou. Quer que eu te conte outra vez?
Nana e eu: Quero!
Kika: ushnkaiolanueo!
Diva: Era uma vez três: um polaco e um francês. O polaco puxou a espada e o francês se arrepiou. Quer que eu te conte outra vez?
Nana e eu: Quero!
Kika: kaniolhnajksoueam!
Diva: Era uma vez três: um polaco e um francês. O polaco puxou a espada e o francês se arrepiou. Quer que eu te conte outra vez?

Ai, ai, vó Diva!


Texto revisado por Paula Berbert

8 Response to "RUA GUILLARD MUNIZ"

  1. Paula Says:

    Ai, estes avós...
    Quantas boas lembranças...

    Como meu vô José dizia, "avós são coisa tão sagrada que é a única palavra que conheço cujo plural fica na forma feminina para falar do homem e da mulher".

    Daí, me vem outra frase que ele repetia: "Saudade é aquilo que fica daquilo que não ficou".

  2. Anônimo Says:

    definitivamente... Avós são as melhores coisas do mundo!!!

  3. Alexandre Beanes Says:

    Véio, lembrei de D. Nazinha, a minha avó super moderna.
    Moderna pois casou 4 vezes, ficando viúva dos 3 primeiros maridos, e tendo filhas em todas as relações. Criar 4 meninas em mil novecentos e bolinha devia ser muito punk.
    Fora a doçura que só ela tinha.
    Sinto muita falta da minha velhinha.

  4. Alexandre Beanes Says:

    Espero que não se chateie, mas coloquei link daqui lá no meu blog.

  5. Alexandre Beanes Says:

    Espero que não se chateie, mas coloquei link daqui lá no meu blog.

  6. Unknown Says:

    eu nem tive esses mega-contatos com avós na infância pois sempre estava viajando pelo brasil afora.

    sinto falta desses mimos de vó, mas em compensação tive vááárias avós substitutas por aí. sei que não é a mesma coisa, mas deu pra quebrar o galho.

    :)

  7. Andrea Marques Says:

    Era uma vez três: um polaco e um francês. O polaco puxou a espada e o francês se arrepiou. Quer que eu te conte outra vez?

    Só pra não esquecer...

  8. Multiethnic Says:

    Sua Avó era massa mesmo... mas a minha era imbatível. Saudaaaade dela depois desse texto...