NEIDE X MAURÍCIO


No geral, odeio o senso comum. Um dos piores é a lenda de que o terceiro ano colegial é foda! Porra nenhuma! Nunca comi tanta água em minha vida como em 93 – coincidentemente, o meu último ano de bebedeiras.

Isso mesmo, senhoras e senhores, abdiquei no álcool nos idos de 93. E não foi porque encontrei Jesus ou coisa parecida. O mais próximo que estive de Jesus foi um espanhol de Zaragoza que veio a ser padrinho do meu casamento em 2003. A secretária da paróquia Nossa Senhora da Luz, beata fervorosa, arregalou os olhos e, com aquela cara de “como assim, meu filho?”, quase caiu de costas quando comecei a listar os nomes dos padrinhos e madrinhas. O primeirão, claro, foi Jesus. Por pouco não matei a tia quando completei: “Tô bem de padrinho, hein?”.

Há uma grande pressão social para que homens em idade produtiva tenham o hábito de beber, nem que seja socialmente. “Oxe, nem um vinhozinho?” é uma das exclamações que mais ouço, como se vinho fosse suco de uva! Meu próprio pai, o senhor Raphael Britto Portella (assim mesmo, com ph, dois t’s e dois l’s), toda vez que o visito em Lauro de Freitas city, insiste em me oferecer um drink e, invariavelmente diante da minha recusa, com ar decepcionado, replica: “Isso tem cura, meu filho, tem cura”.

As aulas de língua portuguesa, literatura e redação durante o meu terceiro ano colegial, na Escola Teresa de Lisieux, eram responsabilidades de Nilza Carolina, uma senhora de paciência inabalável e voz de algodão-doce rosa, a quem carinhosamente apelidamos de Neide Candolina, em função da música homônima (em Circuladô de Fulô/1992, Universal Music, Caetano Veloso) e das coincidências relativas à profissão, modelo de carro e inicias: “Tem um Gol que ela mesma comprou / Com o dinheiro que juntou / Ensinando português no Central”.

Cris, minha amiga-irmã, talvez a mais competente professora de inglês que conheço, decidiu fazer letras por causa dela.

Uma das práticas da nossa Neide Candolina era aproveitar trechos dos clássicos da literatura para que fizéssemos análise sintática. Desta maneira, além de contextualizado, o assunto era reiteradamente abordado, facilitando a memorização pelos desesperados pré-vestibulandos.

Ok, verdade seja dita! Alguns não estavam tão desesperados – para o desespero da coordenação pedagógica. Entre estes, ou melhor dizendo, entre nós, figurava Mauricinho, hoje PhD em educação física. Maurício, além de arrebatar os corações das mais cobiçadas garotas com suas longas madeixas, era um exímio jogador de futebol, chegando a ser titular incontestável da seleção da escola. Infelizmente, não apresentava em sala de aula a mesma desenvoltura que tinha dentro da quadra.

Pensando bem, talvez houvesse uma relação inversamente proporcional entre o tempo investido no aperfeiçoamento das nossas técnicas esportivas e a homogeneidade de cores no boletim (sou do tempo em que nota na média era azul e abaixo, vermelha). Fico imaginando se aquelas aulas filadas para bater baba tiveram alguma influência direta no fato de meu boletim lembrar muito a bandeira do Baêa (minha porra!). Sei não, sei não.

Em uma das aulas de português, no final do primeiro semestre, lutávamos pra concluir a análise sintática de uma frase retirada de um daqueles romances românticos tristes de dar dó, que deveriam ser vendidos com uma dose de cianureto, caso o leitor se inspirasse. Árduo trabalho para quem sonhava com os licores típicos dos festejos juninos que se aproximavam ou simplesmente com o baba na hora do intervalo.

Ao final de intermináveis 20 minutos, o silêncio de quase 50 alunos resignados foi quebrado pelo algodão-doce rosa:

- Maurício (olhares de piedade se voltaram para o craque), na primeira frase do segundo parágrafo... (flap, flap, flap) achou?

- A-a-a-achei, fessora.

- Então, me diga: na frase “Olá, Marquesa, mas que agradabilíssima manhã para um passeio no bosque”...

- S-s-sim...

- Qual a função do “olá”?

- Advérbio de presença, fessora.

Como assim advérbio de presença!? Como assim!?

8 Response to "NEIDE X MAURÍCIO"

  1. lugutmann Says:

    Melhor do que dizer que tá bem de padrinho é dizer q não precisa de curso de preparação para o casamento pq já é casada mesmo!!! kkkkkkk
    Bj,
    Lua

  2. Vivi Quadros Says:

    Sintaticamente falando, se o 'Olá' por definição é uma "interjeição que expressa um cumprimento positivo" e partindo do pressuposto que 'o' cumprimento quando feito denota 'a' presença, bem... o raciocinio do jovem Mauricio não foi tão absurdo assim!
    rsrsrsrsrsrs (adorei!)

  3. Chéri Says:

    Olá!
    Passei pra agradecer a visita ao blog. E para dizer que claro que pode colocar um link.

    Dei uma lida aqui, e gostei também. Esse caso do Maurício me lembra o Waldir, do meu 3o ano (em 92), que também se especializou em educação física. O boletim do sujeito só não era tão colorido porque ele costumava preferir a cor vermelha!

    Grande abraço.

  4. Anônimo Says:

    Definitivamente... pra arrumar padrinhos você tem talento. (risos) Confesso que nem precisa ter minha imaginação para conseguir ver sua expressão suavemente ironica. Humm, mas só pra constar... esse diaxo de 'como assim' pega.

    xero

  5. Glenda Rodrigues Says:

    ...acredito que, segundo Maurício, advérbio de elogio: massa!

    glenda*

  6. Paula Says:

    - Tom, chamamos você aqui no colégio para comunicar que, do jeito que as coisas vão, do jeito que ela se comporta, Paula não vai passar em vestibular algum. Ela está pensando que 3º ano é brincadeira! A gente está avisando, hein? A gente está avisando!

    Ai, ai.



    Este Maurício deve ser um gênio. Só um gênio para encontrar uma solução dessa.

  7. Cris O Says:

    Deixo aqui um advérbio de congratulacao. Feliz aniversário meu amigo!!! Um brinde de coca light com limao e gelo pra você!

  8. talula mel Says:

    né por nada não.. mas eu não acho isso lenda mesmo! o terceiro É FODA! Meu boletim "bandeira do Baêa (minha porra!)" que o diga!
    Beijos!