ERA UMA CASA PORTUGUESA COM CERTEZA

Estudar língua numa sala multicultural é uma experiência única. Nas minhas aulas de alemão patrocinadas pela igreja católica para imigrantes sem condições de pagar os cursos tradicionais, deliciava-me com tantas diferenças de olhar sobre um mesmo fato.

Tive colegas do México, Bolívia, Colômbia, Grécia (um cozinheiro que já morava em Bremen há quase 5 anos, mas nunca necessitou aprender o idioma por praticamente viver entre seus conterrâneos, dentro do restaurante onde trabalhava), Filipinas, Brasil – minha amiga-irmã Cris – e até uma jovem mãe da Macedônia, que largou tudo na terra natal para trabalhar na Alemanha, juntar uma grana e garantir o futuro da filhinha que a levava às lágrimas toda vez que surgia na conversa.

Foi, de fato, uma experiência indescritível. A cada momento me surpreendia com uma opinião inimaginável. Caminhos inusitados, opiniões por vezes horrendas, por outras apaixonantes.

Lua, que estudava na mesma escola, mas numa turma 247 semestres mais adiantada, foi premiada com uma portuguesa chamada Isabel em sua sala. Chegaram a trabalhar juntas no depósito da H&M, colocando dispositivos de segurança eletrônicos nas roupas. O que, no princípio, era um agente motivador para Lua sair antes das 6:00 da manhã, num dos invernos mais rigorosos que a Alemanha já teve, e encarar uma hora e tanto de viagem antes de começar a extenuante jornada de 6 horas repetindo o mesmo movimento, tornou-se um fardo!

Isabel era turrona demais. Só se convenceu que a minissérie OS MAIAS não era uma produção da TV portuguesa com participação de atores brasileiros quando visitou o site da Rede Globo – após Lua tê-la enviado o link por e-mail – e pôde conferir toda a ficha técnica. Contudo, não houve maneiras de ser convencida que Roberto Leal não era brasileiro, mas, sim, português!

Por iniciativa de nossa irmã lisboeta (lá ele), a turma de alemão avançado da Koplinhaus foi ao Centro de Cultura Portuguesa em Bremen para comer Sardinhas com Batatas ao Murro. Soube por ela que esta era uma especialidade maravilhosa que iria “fisgar todos pela boca” (com sotaque de Manoel). Interessado em culinária mediterrânea que sou, pedi a receita:

1. Sem descascar as batatas, lave-as bem sob água corrente.
2. Numa panela grande, coloque as batatas com a casca e 2 litros de água. Leve ao fogo médio e deixe cozinhar por 45 minutos. Transfira as batatas escorridas para um pano de prato limpo. (Ainda bem que é limpo. Ufa!)
3. Salpique um pouco de sal e regue com azeite.
4. Preaqueça o forno a 180ºC (temperatura média).
5. Cubra com papel-alumínio e leve ao forno preaquecido para assar por 15 minutos.
6. Quando esfriar, dê um murro em cada batata. (Como assim “dê um murro em cada batata”?! Como assim?!)

Pois bem, éramos 20 pessoas das mais diversas nacionalidades, e a única possibilidade de comunicação era falando alemão! Ainda em casa, tive um mau pressentimento sobre o jantar daquela ensolarada noite de verão. Resolvi deixar para lá.

Fomos muito bem recebidos por senhores e senhoras sorridentes, vestidos como se estivessem assistindo novela esparramados no sofá. Os primeiros minutos foram de apresentações e elucubrações a respeito de como nos acomodar confortavelmente. Foram muito delicados e atenciosos, de fato. Sentimo-nos em casa, sem exceção, da francesa ao iraniano.

Rapidamente, como se tivessem brotado das oliveiras que cresciam no jardim e podiam ser vistas pelas amplas janelas, jovens bigodudos surgiram carregando pesadas mesas de madeira maciça e as dispuseram de maneira que se formou um quadrado que cabiam cinco de nós em cada lado. Genial! Nada daquelas mesas que uma cabeceira só se comunica com a outra por megafone. Senti-me culpado por ter sucumbido aos estereótipos e subestimado nossos atenciosos patrícios.

Entre sentarmos e Seu Antônio Carlos – robusto senhor que fazia as vezes de garçom – chegar para “tirar o pedido das bebidas”, não se passaram mais do que 3 minutos. A demora ficou por conta dos clientes. Apenas Lua, que logo tomou a frente para organizar quem queria o quê, em alemão, e passar as informações em português, não era suficiente. Tentei ajudar, mas como organização e alemão nunca foram meu forte, acabei atrapalhando, e o que poderia ser resolvido rapidamente durou quase quinze minutos.

Não fazia sentido algum Portugal jamais ter tido um campeão de F-1. Mais uma vez fui surpreendido pela velocidade do serviço. Em um piscar de olhos, rapazes munidos de bandejas prateadas, cheias de bebidas dos mais diversos sabores, aromas e cores, chegaram à nossa mesa. Aí se deu início ao mais longo capítulo da novela: Ai, meu Deus! O quê é de quem? Desta vez com o auxílio (?) de Isabel, Lua conseguiu, entre resmungos, gargalhadas, gotas na roupa e muita desordem, garantir que todos recebessem seus respectivos pedidos em aproximadamente 25 minutos.

Finalmente o brinde! Como de costume na Alemanha, olhamos uns nos olhos dos outros (tem que se olhar no olho mesmo!) e nos saudamos com copos em riste dizendo prost.

Já estávamos sentados, conversando animadamente com nossos copos, garrafas e cotovelos devidamente repousados sobre mesa de madeira escura e verniz manchado, quando Seu Antônio Carlos, acompanhado de três auxiliares, nos pediu para levantarmos tudo, pois iriam, então, estender a toalha de mesa...

5 Response to "ERA UMA CASA PORTUGUESA COM CERTEZA"

  1. Anônimo Says:

    "ao vencedor as batatas" como diria meu amor Joaquim...
    Não imagino você se interessando por culinária nenhuma mas, nossa... só falta dizer que sabe cozinhar... Meu Deus, ia ser demais.
    Humm, e 'como assim' Ufa? Fiquei intrigada agora. heheh
    será que foi porque fiz relatos de meus devaneios?

    xero

  2. Vivi Quadros Says:

    Tomara que a refeição tenha sido tão saborosa quanto a situação parece ter sido divertida! ( Um tanto quanto penosa digo hehehe com fome???? ninguém merece rsrsrs)
    Personalidade sempre presente hein mestre, muito bem muito bem!

    Bjo

  3. Unknown Says:

    hahaha!! os portugueses são únicos! sensacionais! a lógica deles é diferente, com certeza absoluta! viveram os milênios cultivando-a entre si! e não adianta só nascer lá pra ser assim, tem que nascer, se criar e viver em portugal pra ser assim!
    ps. eu adoro batatas ao murro!

    :)

  4. lugutmann Says:

    E eu ainda hoje não sei se chamo casaco de capote... rsrs
    Bj,
    Lua

  5. Paula Says:

    Incrível.