Há um fenômeno muito engraçado aqui em Salvador. Na realidade, talvez seja nacional. Quando se é adolescente, todo adulto é tio ou tia. Na escola, tem o tio da portaria, a tia da cantina, o tio do corredor, a tia da biblioteca...
Se vamos à casa de um coleguinha brincar, ou fazer um trabalho de escola, já no primeiro encontro, rola:
- Ô, minha tia, cê me dá um copo d’água?
Como assim, “minha tia”?! Como assim?!
Os pais de minha primeira namorada eram, também, tio e tia. E isso é tão forte que, caso os encontre hoje, quase 20 anos depois, chamá-los-ei de Tioeduardo e Tiarregina.
Os amigos dos nossos pais, quando nos são apresentados, já vêm com o título acoplado à alcunha:
- Junior, venha conhecer Tiamaricotinha.
Tiassolange se encaixa neste caso. Amiga de minha mãe, se conheceram trabalhando na Biblioteca de Alexandria e, desde então, são inseparáveis. Ambas tiveram três filhos: duas meninas e um varão, sendo, este, o do meio. Crescemos juntos e nos chamávamos de primos de consideração. Era ótimo.
Tiassolange é uma figura. Comi incontáveis cozidos na casa dela, dormi inúmeras vezes lá e recebi diversas broncas... daquelas que somente os que amam dão. Vale ressaltar que todas muito justas. Afinal, quebrar parte do santuário no corredor com uma bolada porque eu e Fabinho batíamos baba dentro de casa a despeito das ordens contrárias era passível de surra, né não? E logo a Nossa Senhora. PQP, a Nossa Senhora não!
Tiassolange é uma das pessoas mais religiosas que conheço. Sempre me agracia com um “Vá com Deus”, “Deus te abençoe” ou algo do gênero. E, apesar de não ser um homem de fé, invariavelmente respondo “Amém”. Não por hipocrisia, mas por respeito à fé de quem tanto amo.
Certa feita, comendo um peixe, um pedacinho de espinha enganchou na garganta de Tiassolange, causando um grande desconforto. Comeu miolo de pão, bebeu água, pirão, farinha, mais peixe... nada resolvia. Com o passar do tempo, ela ficou tão avexada que Tiazezé decidiu levá-la a uma emergência hospitalar para ter o fragmento do endoesqueleto daquele saboroso pescado deglutido no almoço retirado.
Peregrinaram por três diferentes clínicas, mas nenhum médico deu jeito. Um sufoco. Pouco antes de desistirem, foram ao Hospital Universitário, onde um interno a atendeu. Quando saiu do consultório, feliz e satisfeita, Tiassolange avistou Tiazezé, com o terço na mão, rezando e entoando, alto, cânticos para Nossa Senhora:
– Resolveu?
– Graças a Deus.
– Eu devia ter cantado pra Nossa Senhora ainda na primeira clínica. Nos pouparia tanto trabalho!
De fato, admiro e respeito a fé, apesar de desconfiar, a princípio e por princípio, das religiões cristãs. Mas esta é uma outra história.
Confesso que acho divertida a crença de que descendemos de Adão e Eva. Essa coisa do Paraíso, do Fruto Proibido... sei não. Pra começar, não podemos respeitar um cara que cobre seu membro com uma folha de parreira. Como assim, uma folha de parreira?! Só pode ser piada divina. Não me admira que Eva tenha ido atrás da cobra.
Mas comecemos do começo... que era o verbo. Deus, depois de criar o mundo e os bichos todos, fez Adão à sua imagem e semelhança (e, ainda assim, uma folha de parreira era suficiente). Os bichinhos lá, felizes brincando de médico, enquanto Adão, sob intenso bombardeio dos seus hormônios, sofria com dor de ovo.
Percebendo que cometera uma grande injustiça com seu filho, O Todo-Poderoso gerou, da costela do mancebo, Eva, um subproduto do macho. Aparentemente, o tiro saiu pela culatra. A gostosa da Eva deveria apenas fazer companhia ao rapaz, mas, sabe como é... inspirou-se com a cobra e serviu-se do que estava escondido atrás da folhinha. É o famoso “não tem tu, vai tu mesmo”.
Assim, cometeram o chamado Pecado Original. E o troço era tão bom que a maionese desandou. Era um tal de atrás da árvore, no rio, na relva, na moita, que O Pai, depois de não ter mais argumentos, resolveu castigar a causadora daquela bagunça e estipulou que, de tempos em tempos, ela sangraria por alguns dias.
Bem... mini adiantou, mas, depois de um tempo dando um tempo naqueles dias, Adão criou o primeiro ditado de que se tem notícia: “O bravo marinheiro se aventura até no Mar Vermelho”. E voltaram à rotina de luxúria e pecado.
Papai do Céu, então, tentou sua última cartada contra a megera que enlouquecera seu Filho: criou a TPM. Foi aí que o bicho pegou. Nos dias que antecediam a sangria, se Adão desse bom dia, Eva retrucava: “Por quê?!“. Objetos e animais eram arremessados contra o filho do Sogrão; rios de lágrimas corriam sem motivo e, caso tentasse ajudar, Adão era prontamente culpado por todas as mazelas que aconteciam no mundo.
Por isso que afirmo: é um erro perguntar às mulheres se elas sofrem de TPM. A pergunta certa deve ser: “Seu marido sofre de TPM?”. Porque vamos combinar uma coisa, garotas: PQP, é foda! Haja paciência.
Cheguei ao ponto de sugerir que minhas colegas de trabalho tomassem pílula para ciclarem juntas, pois quando uma está saindo da TPM, outra está entrando. O resultado é que eu passo o mês recebendo patadas. Seria muito melhor concentrar tudo numa única semana e gozar de paz em outras três.
Quando minha amiga Duda t. celebrou o aniversário dela em 2010, já no finalzinho da festa, quando restou apenas a diretoria, a TPM, assunto recorrente em qualquer mesa que reúna maridos, esposas, namorados, namoradas, irmãos e irmãs, caiu na roda. Duda, com a veia do pescoço saltando e dedo em riste, dissertava:
– Já sou chata normalmente. De TPM, então, fico insuportável... e sobra pra Tavares. Acordo já querendo matar um e qualquer “oi” na hora errada, explodo. E no meio do dia, ainda ligo pro coitado soltando os cachorros, culpando ele pela crise monetária internacional, chorando, berrando... aí, quando ele chega de noite em casa, abre a porta com uma caixa de chocolates.
Aproximo-me do marido e cochicho no ouvido:
– A isto se dá o nome de sabedoria.
– A isto se dá o nome de instinto de sobrevivência.
Texto revisado por Paula Berbert
Se vamos à casa de um coleguinha brincar, ou fazer um trabalho de escola, já no primeiro encontro, rola:
- Ô, minha tia, cê me dá um copo d’água?
Como assim, “minha tia”?! Como assim?!
Os pais de minha primeira namorada eram, também, tio e tia. E isso é tão forte que, caso os encontre hoje, quase 20 anos depois, chamá-los-ei de Tioeduardo e Tiarregina.
Os amigos dos nossos pais, quando nos são apresentados, já vêm com o título acoplado à alcunha:
- Junior, venha conhecer Tiamaricotinha.
Tiassolange se encaixa neste caso. Amiga de minha mãe, se conheceram trabalhando na Biblioteca de Alexandria e, desde então, são inseparáveis. Ambas tiveram três filhos: duas meninas e um varão, sendo, este, o do meio. Crescemos juntos e nos chamávamos de primos de consideração. Era ótimo.
Tiassolange é uma figura. Comi incontáveis cozidos na casa dela, dormi inúmeras vezes lá e recebi diversas broncas... daquelas que somente os que amam dão. Vale ressaltar que todas muito justas. Afinal, quebrar parte do santuário no corredor com uma bolada porque eu e Fabinho batíamos baba dentro de casa a despeito das ordens contrárias era passível de surra, né não? E logo a Nossa Senhora. PQP, a Nossa Senhora não!
Tiassolange é uma das pessoas mais religiosas que conheço. Sempre me agracia com um “Vá com Deus”, “Deus te abençoe” ou algo do gênero. E, apesar de não ser um homem de fé, invariavelmente respondo “Amém”. Não por hipocrisia, mas por respeito à fé de quem tanto amo.
Certa feita, comendo um peixe, um pedacinho de espinha enganchou na garganta de Tiassolange, causando um grande desconforto. Comeu miolo de pão, bebeu água, pirão, farinha, mais peixe... nada resolvia. Com o passar do tempo, ela ficou tão avexada que Tiazezé decidiu levá-la a uma emergência hospitalar para ter o fragmento do endoesqueleto daquele saboroso pescado deglutido no almoço retirado.
Peregrinaram por três diferentes clínicas, mas nenhum médico deu jeito. Um sufoco. Pouco antes de desistirem, foram ao Hospital Universitário, onde um interno a atendeu. Quando saiu do consultório, feliz e satisfeita, Tiassolange avistou Tiazezé, com o terço na mão, rezando e entoando, alto, cânticos para Nossa Senhora:
– Resolveu?
– Graças a Deus.
– Eu devia ter cantado pra Nossa Senhora ainda na primeira clínica. Nos pouparia tanto trabalho!
De fato, admiro e respeito a fé, apesar de desconfiar, a princípio e por princípio, das religiões cristãs. Mas esta é uma outra história.
Confesso que acho divertida a crença de que descendemos de Adão e Eva. Essa coisa do Paraíso, do Fruto Proibido... sei não. Pra começar, não podemos respeitar um cara que cobre seu membro com uma folha de parreira. Como assim, uma folha de parreira?! Só pode ser piada divina. Não me admira que Eva tenha ido atrás da cobra.
Mas comecemos do começo... que era o verbo. Deus, depois de criar o mundo e os bichos todos, fez Adão à sua imagem e semelhança (e, ainda assim, uma folha de parreira era suficiente). Os bichinhos lá, felizes brincando de médico, enquanto Adão, sob intenso bombardeio dos seus hormônios, sofria com dor de ovo.
Percebendo que cometera uma grande injustiça com seu filho, O Todo-Poderoso gerou, da costela do mancebo, Eva, um subproduto do macho. Aparentemente, o tiro saiu pela culatra. A gostosa da Eva deveria apenas fazer companhia ao rapaz, mas, sabe como é... inspirou-se com a cobra e serviu-se do que estava escondido atrás da folhinha. É o famoso “não tem tu, vai tu mesmo”.
Assim, cometeram o chamado Pecado Original. E o troço era tão bom que a maionese desandou. Era um tal de atrás da árvore, no rio, na relva, na moita, que O Pai, depois de não ter mais argumentos, resolveu castigar a causadora daquela bagunça e estipulou que, de tempos em tempos, ela sangraria por alguns dias.
Bem... mini adiantou, mas, depois de um tempo dando um tempo naqueles dias, Adão criou o primeiro ditado de que se tem notícia: “O bravo marinheiro se aventura até no Mar Vermelho”. E voltaram à rotina de luxúria e pecado.
Papai do Céu, então, tentou sua última cartada contra a megera que enlouquecera seu Filho: criou a TPM. Foi aí que o bicho pegou. Nos dias que antecediam a sangria, se Adão desse bom dia, Eva retrucava: “Por quê?!“. Objetos e animais eram arremessados contra o filho do Sogrão; rios de lágrimas corriam sem motivo e, caso tentasse ajudar, Adão era prontamente culpado por todas as mazelas que aconteciam no mundo.
Por isso que afirmo: é um erro perguntar às mulheres se elas sofrem de TPM. A pergunta certa deve ser: “Seu marido sofre de TPM?”. Porque vamos combinar uma coisa, garotas: PQP, é foda! Haja paciência.
Cheguei ao ponto de sugerir que minhas colegas de trabalho tomassem pílula para ciclarem juntas, pois quando uma está saindo da TPM, outra está entrando. O resultado é que eu passo o mês recebendo patadas. Seria muito melhor concentrar tudo numa única semana e gozar de paz em outras três.
Quando minha amiga Duda t. celebrou o aniversário dela em 2010, já no finalzinho da festa, quando restou apenas a diretoria, a TPM, assunto recorrente em qualquer mesa que reúna maridos, esposas, namorados, namoradas, irmãos e irmãs, caiu na roda. Duda, com a veia do pescoço saltando e dedo em riste, dissertava:
– Já sou chata normalmente. De TPM, então, fico insuportável... e sobra pra Tavares. Acordo já querendo matar um e qualquer “oi” na hora errada, explodo. E no meio do dia, ainda ligo pro coitado soltando os cachorros, culpando ele pela crise monetária internacional, chorando, berrando... aí, quando ele chega de noite em casa, abre a porta com uma caixa de chocolates.
Aproximo-me do marido e cochicho no ouvido:
– A isto se dá o nome de sabedoria.
– A isto se dá o nome de instinto de sobrevivência.
Texto revisado por Paula Berbert